Não é novidade que a Amazônia foi transformada no bioma de principal expansão capitalista nos últimos anos no Brasil. A incorporação rápida das áreas dos cerrados levou nas últimas duas décadas à intensificação da ocupação da Amazônia oriental por latifúndios. Não por acaso, a expansão do capitalismo nacional desde a crise da dívida dos anos de 1980 ocorreu em função da ampliação da pauta exportadora de estruturação imediata: mineral, petrolífera e agropecuária. A transição da ocupação acelerada entre cerrados e Amazônias ocorre ao longo das últimas décadas, mas a intensidade desta ocupação capitalista neste último bioma se amplia numa relação direta com a determinação da dinâmica capitalista nacional a partir da crescente demanda por commodities nos mercados externos.

Os processos de abertura econômica no Brasil fazem desenvolver, necessariamente, a maior dependência da renda nacional à pauta exportadora, no nosso caso, baseada prioritariamente, no período mais recente, em bens primários e semi-industrializados. Observando os dados do Produto Interno Bruno do país, organizados pelo IBGE, percebemos que de 1995 para o terceiro trimestre de 2021, a participação das exportações no PIB brasileiro passou de aproximadamente 9,5% para 18,5%. Aliado a grandes projetos de infraestrutura, estruturados ainda na ditadura militar, na região amazônica a expansão produtiva pelo território necessariamente busca incorporar a floresta tropical e assim possibilitar o suprimento do mercado externo e, consequentemente, a distribuição de lucros entre grandes proprietários de terra – em grande medida grileiros – e empresas transnacionais controladoras da tecnologia do campo e da mineração.

Com a crescente dependência nacional às exportações de produtos minerais e agropecuários, as elites brasileiras apostam em levar o modelo econômico da expansão produtiva agromineral controlada por grandes empresas às últimas consequências, independente se isto implica em controle monopólico da terra para produtos exportáveis, degradação acelerada do meio ambiente e exclusão da grande maioria da população da dinâmica de assalariamento do mercado capitalista. Temos hoje na Amazônia a maior província mineral do mundo, com três municípios que aparecem recorrentemente entre os dez maiores exportadores do país (Canaã dos Carajás, Parauapebas e Marabá). Afirmar, hoje, que a Amazônia é periferia do país é somente reconhecer que ainda permanecem vastos fundos territoriais a serem ocupados pela mesma lógica que já ocuparam sua porção oriental. Ao menos em sua porção oriental não é mais possível reconhecer um atraso relativo da dinâmica produtiva subdesenvolvida em relação às demais regiões do país.

Os conflitos fundiários ocorridos na região ao longo das últimas décadas, com a série de massacres provocados contra a classe camponesa e de posseiros, além dos inúmeros casos de assassinatos e desterritorialização de povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas, dão a tônica deste processo de expansão capitalista. Não diferente de processos anteriormente assistidos noutras regiões do país, mas que se apresenta como solução única no país cuja industrialização se desfez como fumaça diante da avalanche neoliberal pós anos de 1980. Este modelo de expansão territorial, de maneira geral, foi inédito para a Amazônia até antes de 1964, por ter permanecido desde o período colonial um ordenamento econômico-espacial que priorizou o controle da força de trabalho por meio das relações de troca, com o poder comercial centralizado especialmente em Belém. Isto ocorreu devido a facilidade de formação de monopólio comercial na extração florestal.

O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no início do mês de junho, chamam atenção para duas coisas: a primeira é sobre o papel do estado na região amazônica e relembra os desafios para os povos amazônidas. É possível identificar em diversos discursos, seja de autoridades, impressa e até ONG’s, a ideia de que o Estado não estaria presente na Amazônia ou seria fraco em cumprir seu papel. Se observarmos melhor, percebemos que o Estado está presente na Amazônia. Mas sua atuação no bioma evidencia de forma cristalina sua função de ocupação territorial para atender interesses externos. As obras de infraestrutura como hidroelétricas, transmissão de energia e estradas são construídas pelo Estado. As obras de implantação de mineradoras são financiadas pelo Estado. A agropecuária também. A criminalização de movimentos sociais, professores e populações atingidas também é obra do Estado. O Exército Brasileiro mantém a região em permanente vigilância e sabe de tudo que acontece. Massacres como o de Pau D’arco, Corumbiara e Eldorado dos Carajás foram obras de agentes do Estado. Esse é o Estado na Amazônia e seu lado está bem claro.

Hoje são os cerrados, Pantanal e a Amazônia que dão mostras do futuro que nossas elites nos preparam: degradação ambiental e social num contexto de abertura econômica para ganhos rápidos em torno da mineração e agropecuária. A expansão é tamanha que o garimpo é novamente febre em vários trechos de cursos de rios da região, inclusive invadindo áreas de assentamento da reforma agrária. Junto com as cadeias produtivas da mineração feita por transnacionais e da agropecuária, o garimpo ilegal tornou-se uma rede de financiamento de vários agentes econômicos ligados ao poder econômico e político interno e externo. Recentemente houve uma apreensão de máquinas e prisões em torno de um garimpo que operava na terra Kaiapó, no sul do Pará. A Polícia Federal calcula que em torno de uma tonelada de ouro saia por ano daquele lugar . Um volume desses de extração só se viabiliza com investimentos substanciais e uma cadeia produtiva grande de agentes público e privados para levar esta riqueza para a Europa.

A mineradora Vale é um conglomerado econômico importante nesse contexto Amazônico, pois mantêm monopólio legal sob as jazidas minerais em Carajás, seja pra exploração ou pesquisa. Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia, a mineradora extraiu de Carajás no ano passado, só de minério de ferro e cobre, seus principais produtos extraídos da região, quase R$ 24 bilhões de reais, o que equivaleu a exportação de mais de 173 milhões de toneladas destes minérios. Não por acaso, ainda em outubro, a mineradora já havia apurado um lucro líquido de mais de R$ 90 milhões nos três primeiros trimestre de 2021, distribuindo em torno de 80% deste lucro em dividendos aos acionistas ainda no mesmo ano. A Vale além do monopólio da maior jazida mineral do planeta, mantém forte vigilância sobre o território, que além de reprimir camponeses, também denunciava qualquer iniciativa de garimpagem na região, inclusive conduzindo garimpeiros para delegacia. Os últimos anos foram de silêncio da mineradora sobre os diversos garimpos ilegais que se alastraram pela região.

As implantações desses garimpos se dão com utilização de maquinários pesados, o que sugere alto investimento e envolvimento de grandes figurões da vida pública/política. O transporte também sugere participação de figurões, pois só em uma operação no Porto de Vila do Conde, principal porto de exportação do Pará, a Agência Nacional de Mineração apreendeu 70 mil toneladas de minérios de manganês. Os lotes eram de mineradoras que não tinha autorização para explorar esse tipo de minério. Em alguns casos, o apoio vem de agentes do estado, como no caso da base de apoio construída pela Funai, a pedido de um de seus coordenadores regionais, o capitão Raimundo Pereira, e posteriormente cedida para um ‘colaborador’ e seu grupo de garimpeiros. O pretexto da base era para apoio aos indígenas kayapós da T.I. Menkragnoti, no sul do Pará.

A lógica desses garimpos é de encontrar minérios, seja onde for, inclusive embaixo de torre de linha de transmissão. Dentre os mais procurados estão o ouro, o manganês e o cobre. Se na mineração legal já constatamos que o compromisso ambiental é insuficiente (basta observar o trato da mineradora Vale com as populações atingidas e as diversas denuncias de poluição sonora, do ar, da terra e das águas), o garimpo ilegal a cena é de terra arrasada, tanto na área minerada quanto no entorno, como a poluição causadas no rio Tapajós, ao ponto de modificar a cor de sua água por conta de mais de 7 milhões de toneladas de rejeitos de garimpos despejados nesse rio. O nível de mercúrio no sangue da população de Santarém tem aumentado em dez vezes, segundo pesquisas da Universidade Federal do Oeste Paraense.

A agropecuária também tem presença marcada na Amazônia, estados como o Mato Grosso e Pará estão entre os três com maior rebanho, segundo o IBGE na Pesquisa da Pecuária Municipal em 2020. Não por acaso que se juntam aos estados com mais conflitos pela terra ao lado de Rondônia e Maranhão. Os municípios com maior rebanho do país estão São Félix do Xingu (2,4milhões de animais) e Marabá (1,3milhões de animais). Os dois municípios se avizinham entre si e com Parauapebas, que é vizinha de Canaã dos Carajás, a duas grandes exportadoras de minério de ferro.

A atividade é dividida de um lado por grandes fazendeiros e empresas agropecuárias, como o Grupos Santa Bárbara, ligada ao banqueiro Daniel Dantas, e de outro lado pequenos criadores que desenvolve a atividade em lotes de reforma agrária ou pequenas propriedades. Do lado dos grandes é utilizada tecnologia de ponta para reprodução e crescimento animal, as denúncias de trabalho análogo à escravidão são frequentes neste setor. Essa atividade avança para outras regiões da Amazônia e do Pará, seguindo o setor madeireiro e especulador de terras. Em algumas situações o setor madeireiro nem tem muito sucesso, pois o grileiro/especulador chega primeiro e não permite a exploração da madeira, seu interesse é a terra para pastagem. A madeira é queimada.

O quadro que se desenha para a Amazônia em 2022 é de uma cadeia política/empresarial conservadora, na maioria dos casos alinhadas e vinculadas ao governo federal, com muitos recursos tanto da administração pública quanto das atividades econômicas legais e ilegais. Os setores mais dinâmicos deste modelo de ocupação territorial são legais e ilegais, mas de modo geral essencialmente vinculados cadeias de exportação. A Amazônia, em sua porção brasileira, se torna um dos palcos principais da reinvenção do poder oligárquico no Brasil do século XXI. A libertação da terra e do povo das regiões e territórios que compõe este bioma no país estão diretamente vinculados à suplantação, nacionalmente, do governo e dos oligarcas que servem a interesses externos e que transformaram o Brasil em zona de ocupação. Está evidente que a saída para os povos amazônidas é a unidade de modo que possam compartilhar experiências de lutas, intensificar a autodefesa e solidariedade que seja capaz de defender os territórios contra qualquer tipo de violação. As Brigadas Populares assumem esse desafio de manter a marcha para derrotar Bolsonaro como condição principal de libertação da Amazônia.


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