É hora de reconstruir o Brasil! 

Unidade contra o fascismo em um mundo em transformação!

Análise de Conjuntura Brigadas Populares – 2023

Após a vitória popular na Batalha Eleitoral contra o fascismo, é hora de arregaçar as mangas para a reconstrução do Brasil! Uma tarefa árdua, seja pelas contradições de um governo de Frente Ampla, pela ameaça ainda presente do fascismo ou pela volatilidade do cenário internacional. Em um mundo que passa por profundas e rápidas transformações, o Brasil e a América Latina vivenciam crises institucionais e um acirramento da luta de classes que desafiam as organizações populares. Para ajudar na leitura da realidade e nas movimentações políticas em tempos tão acelerados, as Brigadas Populares oferecem ao público sua análise de conjuntura 2023. Boa leitura e mãos à obra!

I. Conjuntura Internacional: conflitos e ameaças em um sistema internacional em transformação

1. A conjuntura mundial no pós-pandemia continua a intensificar a crise estrutural do capital, apresentando baixas taxas de crescimento, aumento da concentração de renda, proliferação de formas de trabalho precarizado e, mais recentemente, uma onda inflacionária devido ao conflito na Ucrânia; e uma crise civilizacional do Ocidente, principalmente dos Estados Unidos, que, ao não conseguir mais reproduzir sua hegemonia como outrora, vêm substituindo a formulação de consenso pela pura dominação, por meio de golpes de força e escaladas de tensão que ameaçam seus adversários e disciplinam seus aliados. Essa temerária movimentação, em conjunto com a incapacidade dos EUA e demais países do Ocidente em promover uma nova rodada de crescimento econômico e concórdia nas relações internacionais, vêm destruindo a sua imagem perante o Sistema Internacional, principalmente entre as populações do Sul Global, justamente aquelas que mais sofrem com o racismo, a xenofobia, o trabalho insalubre, as mudanças climáticas e a falta de assistência durante a pandemia.

2. A alegoria de “campeões da democracia e dos direitos humanos” por parte do Ocidente está seriamente abalada pelo avanço do fascismo em seus países, que promove a destruição de seus sistemas políticos liberais (ex: Israel), conforma movimentos de massa ultraconservadores de forte componente racista, xenofóbico, patriarcal e fundamentalista (Estados Unidos), ganham musculatura social para ameaçar o poder constituído (França e Alemanha) e até incluem grupos declaradamente supremacistas e nazifascistas em seus governos (Estados Unidos, mas também em países de menor expressão no cenário global, como Ucrânia, Hungria e Polônia). Até mesmo o golpe de Estado e a contestação aos resultados eleitorais, aparentemente um expediente restrito à periferia do sistema, não é mais uma impossibilidade — vide a invasão do Capitólio pelos apoiadores de Donald Trump no 6 de janeiro de 2021.

3. A reação dos EUA — e do condomínio de forças do Ocidente — em relação ao fim de sua hegemonia sobre o mundo coloca o planeta num nível de risco ímpar. Além do colapso ambiental causado pela desenfreada ganância do capital transnacional com sede no Norte global, guerras intercontinentais e conflitos termonucleares são colocados na ordem do dia. A suposta democracia ocidental segue revelando quão relativos são valores como a liberdade e o quanto a burguesia recorre cada vez mais à barbárie, repressão e fascismo para lidar com conflitos internos e externos. O fortalecimento de movimentos e governos de extrema-direita não é uma disfunção política, mas sim, um instrumento de disciplinamento da classe trabalhadora acionado em momentos de crise sistêmica do capital para intensificação da exploração do trabalho por meio da criação de “inimigos” a partir do “outro”, ocultando as reais causas da precarização da vida.

4. O processo das últimas décadas de reposicionamento de diversos países da América Latina, África e Ásia, com o fortalecimento de relações bilaterais e regionais e maior capacidade de ditar de maneira autônoma suas políticas externas, enfraqueceu gravemente a capacidade dos EUA de ditar livremente as regras do jogo. Suas próprias debilidades, somadas a iniciativas como os BRICS e a Nova Rota da Seda, têm impedido Washington de apresentar seus objetivos particulares como de interesse comum. Mais do que isso, esses novos arranjos internacionais vêm se constituindo não como uma conjuntura passageira ou uma política de governos de ocasião, mas sim como uma alternativa global que desafia a divisão internacional do trabalho na qual repousa o capitalismo desde seu nascimento. Ainda que por vezes existam entraves aos avanços, como no caso brasileiro pós-golpe, essas relações são profundas e não há maneira fácil de contorná-las, levando o Império a medidas cada vez mais drásticas — pressão econômica, diplomática e militar, com direito a ações clandestinas, campanhas de comunicação e a chamada “guerra híbrida”.

5. Trabalhando com seu conceito de “Operações Multi-Domínio”, os EUA buscam cercar China e Rússia por mar, terra, ar, ciberespaço e espaço. Para isso, além do imenso gasto em manutenção, pesquisa e expansão de seu poderio bélico, valem-se de bases militares próprias e de aliados e capachos, exercendo também forte pressão sobre todos os países vizinhos aos adversários. Ao mesmo tempo, aumentam a retórica belicosa e abusam de provocações, como os cinicamente nomeados “Exercícios de Liberdade de Navegação” no Mar da China Meridional, exercícios de prontidão na Península da Coreia e aumento dos contingentes militares no Leste Europeu, próximo às fronteiras russas.

6. A intervenção da OTAN sobre a Ucrânia está dentro desta estratégia geral, cada vez mais desesperada, de conter não só a Rússia, mas também — e principalmente — a China. Instrumentalizando a guerra para retomar capacidade de controle sobre seus aliados europeus e apostando no sacrifício de quantos ucranianos e russos forem necessários para seus objetivos, os EUA impedem avanços em negociações de paz e seguirão enviando material bélico no intuito de criar um “buraco negro” que sugue os recursos de Moscou. Incapaz de frear o avanço de seus adversários, ou de costurar acordos mínimos, o imperialismo estadunidense adota a dominação e não a hegemonia como forma de impor sua vontade sobre o mundo, negligenciando o risco do confronto nuclear, as perturbações na economia mundial, especialmente entre seus aliados europeus, e o quanto esse cenário alimenta a extrema-direita que tenta subverter as instituições liberais no centro hegemônico. 

7. A Rússia é uma superpotência cercada militarmente pelos seus adversários e sem o poder econômico apresentado pelo seu aliado chinês. Luta, portanto, uma guerra defensiva na Ucrânia, ocupando territórios habitados por uma maioria étnica russa (oprimida pelos sucessivos governos ucranianos de extrema-direita pós-Euromaidan 2014), que permite a destruição imediata de equipamentos militares da OTAN que ameaçam sua segurança nacional. A ação russa é um divisor de águas ao demonstrar que a intervenção militar não é mais uma exclusividade do condomínio de forças ocidentais e marca uma ruptura possivelmente de extensa duração de Moscou com o Ocidente, assim como seu giro definitivo para a Ásia. O prolongamento excessivo do conflito, entretanto, ameaça sua estabilidade interna e exacerba forças protofascistas, como o grupo paramilitar Wagner, e entusiastas da guerra e das armas nucleares, como Sergey Karaganov.

8. Desde o início do conflito na Ucrânia, tanto a OTAN quanto a Rússia já elevaram bastante o tom em relação ao uso de armas nucleares. Caso algumas das posições mais belicosas prosperem teríamos, no pior dos casos, uma guerra termonuclear que colocaria a existência da humanidade em risco. Em um caso um pouco “menos apocalíptico”, o uso limitado de armas nucleares por um país — as ogivas supostamente “táticas” — abriria um precedente para que outros também o fizessem em seus próprios conflitos contra adversários não-nucleares. Um uso de armas nucleares pela Rússia na Ucrânia ou da OTAN contra a Rússia poderia ser visto como liberação para uso de Israel contra a Palestina, França no Sahel, EUA na Síria e dezenas de outros cenários de terror por potências nucleares sem pudor em usar o armamento apenas para defesa. Qualquer defesa do uso de armas nucleares deve ser rechaçada veementemente.

9. Em meio a esse cenário volátil, a China continua avançando em seu papel de locomotiva da economia mundial, disputando as fronteiras da ciência com os Estados Unidos a partir de um planejamento socialista que desafia as noções teóricas mais dogmáticas. Nota-se a reeleição de Xi Jinping para um inédito terceiro mandato presidencial, o que demonstra um apreço pela estabilidade e continuidade na política interna; e uma mudança de postura de sua diplomacia, mais incisiva e questionadora do Sistema Internacional. Pequim tem respondido com reciprocidade às tentativas de cerco tecnológico por parte de Washington; se posiciona na vanguarda da diplomacia no Oriente Médio, como na mediação do restabelecimento de relações entre Irã e Arábia Saudita; apresenta-se como um parceiro comercial mais atrativo à África do que o Ocidente; e expandiu o número de países participantes do BRICS. Se antes a economia chinesa era a única capaz de evitar uma depressão mundial em tempos de baixo crescimento, hoje, Pequim oferece ao Sul Global uma “globalização alternativa”, com parcerias ganha-ganha, essenciais para todas as forças sociais antissistêmicas da atualidade.

10. Estas disputas globais têm drásticos efeitos regionais, com adversários em conflitos em todo o planeta buscando estabelecer relações prioritárias com o bloco China-Rússia, com o bloco EUA-Ocidente ou com ambos. Em alguns dos conflitos, a relação de disputas das superpotências potencializam (Sahel e Magreb), prolongam (Síria) ou mesmo buscam encerrar os embates (Iêmen), a depender das capacidades de influência e correlação de forças. No oeste africano, por exemplo, o sentimento anticolonial tem ressurgido com força em oposição às intervenções dos EUA e, principalmente, da França por setores que preferem reforçar parcerias com a China e a Rússia, que possui uma atuação militar mais incisiva a partir do grupo Wagner. Com a estabilidade afetada pelos históricos efeitos coloniais, grupos separacionistas, efeitos do aquecimento global e o extremismo jihadista, o Sahel passa por crises humanitárias e, com a pouca disposição ocidental para resolvê-las, a atuação do Sul Global pode ser fundamental para aliviar ou apresentar soluções duradouras na região.

II. Conjuntura Latino-americana: crises institucionais e luta de classes em um continente em disputa

11. A conjuntura latino-americana é marcada por um processo de intensa disputa que se manifesta em crises institucionais, na intensificação das tensões nacionais e internacionais, bem como pelo aumento da violência política e social. Recententemente, diversas alterações no cenário geopolítico, em especial na ascensão de atores e setores progressistas, representando, ao mesmo tempo, um acirramento das contradições do capitalismo dependente e a retomada – limitada e com diversos desafios – de uma construção internacional em favor da integração regional e do não-alinhamento.

12. Nesse sentido, a eleição do presidente Lula, pela importância geopolítica do Brasil e pelas credenciais do ex-metalúrgico na política internacional, representou uma virada objetiva nos horizontes políticos e programáticos da região. Pautando de forma categórica que a atual geopolítica global não é mais definida pelos princípios formuladores da ordem do pós-Segunda Guerra e reivindicando a construção de um novo ordenamento político internacional, Lula tem resgatado a posição brasileira enquanto líder diplomático não apenas do continente latino-americano, mas também do Sul Global.

13. Sob sua liderança e com importante atuação do ex-chanceler Celso Amorim (agora na condição de assessor especial da presidência), o Brasil tem protagonizado a retomada de importantes pautas regionais, como a reestruturação da Unasul e a reivindicação de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Da mesma forma, Lula tem sido a principal voz em defesa da não-participação dos países latino-americanos na guerra na Ucrânia, clamando pela abertura imediata de negociações pela paz.

14. Tais posicionamentos assertivos tornam-se ainda mais relevantes quando a conjuntura regional é analisada a partir do acirramento das disputas entre os EUA e a China e pelas posições estratégicas que a América Latina representa – especialmente em termos econômicos, geográficos e de recursos – para esta disputa. A nação asiática tem progressivamente ampliado sua inserção e suas relações com os países latino-americanos, consolidando-se como principal parceiro comercial da região e estabelecendo distintos processos de cooperação humanitária, logística, científica e industrial. Este avanço, naturalmente, é tratado com preocupação e hostilidade por Washington, que tanto por meios diplomáticos quanto militares deixa claro seus interesses na região e busca pressionar os governos locais a aprofundar seu alinhamento estratégico com o Atlântico Norte – mais evidentemente buscando apoio à Ucrânia e à narrativa de guerra da OTAN.

15. Da mesma forma, agudizam-se as tensões nacionais. Na Argentina, a persistência da crise econômica, marcada pelas sequelas do governo neoliberal de Mauricio Macri e aprofundada pela pandemia, impõe grandes desafios ao governo de Alberto Fernández. Soma-se a violenta ofensiva da oposição que configura – a partir de uma articulação entre as oligarquias locais, a grande mídia e o judiciário – um processo de lawfare contra a vice-presidenta Cristina Kirchner, condenada por corrupção, no melhor estilo “lavajatista”, num processo enviesado que busca desestabilizar o governo e enfraquecer o peronismo frente às eleições de outubro. A intensidade desta ofensiva contra Kirchner ficou mais evidente na fracassada tentativa de magnicídio contra a vice-presidenta, ilustrando um cenário de violência nacional construída pelas elites antipopulares.

16. Com Fernández e Cristina oficialmente fora do pleito, o peronismo apresenta a candidatura de Sergio Massa, com perfil conservador e centrista. A direita, por sua vez, divide-se atualmente em dois nomes: de um lado, apresenta-se a figura de Patricia Bullrich, historicamente ligada aos setores macristas; de outro, desponta o ultraliberal Javier Milei, versão argentina da extrema-direita mundial, que agrega negacionismos históricos, anarcocapitalismo e uma retórica violenta e socialmente irresponsável. Diante da crise econômica e social e da violenta oposição, tudo indica que o peronismo enfrentará uma dura batalha no pleito presidencial.

17. No Chile, por sua vez, destacam-se os fracassos do governo progressista de Gabriel Boric. Eleito num contexto de ascensão das lutas populares iniciado em 2019, o militante do Convergencia Social vem se demonstrando incapaz de conduzir uma construção política em prol das transformações estruturais que mobilizaram milhões de chilenos e chilenas a ocuparem as ruas. Boric acumula posições titubeantes e cada vez mais se confunde com a ordem social que prometia combater. Tais fragilidades representaram sucessivas derrotas na construção de uma nova Constituição, principal pauta da revolta popular que ganhou força em 2019: após ter uma primeira proposta recusada em plebiscito, os setores populares sofreram outro revés na definição da nova Assembleia Constituinte, em que a extrema-direita consolidou maioria e poderá dirigir a formulação da nova Carta Magna. Da mesma forma, Boric vai na contramão do restante da região ao servir de porta-voz aos interesses estadunidenses, declarando apoio incondicional a Zelensky e reproduzindo a narrativa de “ditadura venezuelana”.

18. O Peru, por sua vez, encontra-se em pleno fechamento de regime. Após uma tentativa fracassada de autogolpe do presidente Pedro Castillo, completamente isolado politicamente e desacreditado pelos setores populares que o elegeram, assumiu a presidência a então vice-presidenta Dina Boluarte, que rapidamente se aliou ao fujimorismo para garantir sua sobrevivência. O país andino, atravessado há vários anos por múltiplas crises políticas e sociais e pela grande fragilidade de suas instituições, vê-se hoje regido por um governo ditatorial, que há vários meses reprime violentamente os protestos populares que reivindicam novas eleições e uma nova constituição.

19. No Equador, acirram-se também as tensões e a luta de classes. O presidente e ex-banqueiro Guillermo Lasso, incapaz de aprovar suas principais reformas neoliberais contra uma Assembleia Nacional que não dominava, viu-se ameaçado por um processo de impeachment por peculato com grandes chances de ser concretizado. Perante uma iminente derrota, recorreu à “morte cruzada” – um instrumento constitucional que destitui o Executivo e o Legislativo e convoca eleições gerais – e agora tenta governar por decreto. A oposição, dividida centralmente entre o correísmo (que vem ganhando força desde as eleições regionais) e a CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador) de Leonidas Iza, se prepara para o novo pleito como cenário central da disputa política nacional. Nesse difícil contexto, o primeiro turno foi marcado pela violência política generalizada, que resultou na morte de Fernando Villavicencio, candidato de centro-direita, bem como numa série de atentados contra outras figuras políticas. Por sua vez, a candidata correísta Luisa González saiu na frente, com 33% dos votos, e disputa um segundo turno contra Daniel Noboa, candidato de Lasso. Uma aliança entre os partidários de Rafael Correa e o movimento indígena, superando antigas contradições, permitiria uma hegemonia da esquerda equatoriana capaz de realizar profundas transformações.

20. No cenário colombiano, a luta de classes assumiu novos patamares com a eleição de Gustavo Petro e Francia Márquez, representando o triunfo histórico de uma aliança entre setores progressistas e movimentos populares. Sob sua liderança, a Colômbia protagoniza importantes transformações sociais, atacando privilégios e ampliando direitos; da mesma forma, o governo nacional restabeleceu relações diplomáticas com a Venezuela, retomou os diálogos com o ELN por meio da mediação de líderes regionais como o México de López Obrador, apontando finalmente para uma construção propositiva da paz. Naturalmente, as elites locais e a Casa Branca não permanecem inertes frente a um governo progressista num país que historicamente foi o principal porta-voz dos interesses imperialistas na região e já encampam uma guerra de desgaste contra o Pacto Historico, buscando até mesmo a consolidação de um “golpe brando”. Petro e Francia, por sua vez, realizaram recentemente importantes mudanças em sua composição ministerial, afastando figuras menos alinhadas com o projeto de transformação, e apostam na mobilização dos setores populares para fortalecer a defesa do governo e das reformas sociais.

21. A Bolívia, após a derrota do golpe de Estado contra Evo Morales, vem nos últimos anos resgatando o projeto de transformação protagonizado pelo MAS. A economia apresenta retomadas significativas ao passo em que o governo de Luis Arce e David Choquehuanca aprofundam a centralidade do projeto de industrialização do lítio como instrumento de soberania e desenvolvimento nacional por meio de parcerias estratégicas com China e Rússia. Em consonância, o país concretiza um processo fundamental de memória e justiça contra os crimes da ditadura cívico-militar, condenando a ex-presidenta de facto Jeanine Áñez e estabelecendo processos judiciais contra outras figuras centrais do golpe. Todavia, tensões históricas dentro do oficialismo se intensificam, representadas hoje pela polarização entre Evo Morales e o presidente Arce, bem como acusações públicas contra Choquehuanca. Contra uma oposição fascista e sob a mira do imperialismo, que deseja fundamentalmente as ricas reservas de lítio, o Proceso de Cambio necessita superar as crises internas para garantir a sobrevivência do projeto nacional.

22. Na Venezuela, a recente recuperação da economia dá um relativo respiro após os anos mais duros da guerra econômica travada contra o país. Com a morte política do fantoche Juan Guaidó e por meio do protagonismo diplomático do Brasil, que restabeleceu relações diplomáticas com a pátria bolivariana, os diálogos com a oposição acerca das eleições presidenciais de 2024 avançam, visando inclusive o fim das sanções estadunidenses. Ao passo que tais negociações podem dar à Venezuela maior estabilidade política e mitigar a violência social, aumentam-se as apostas da oposição para o próximo pleito eleitoral. Se por um lado o chavismo venceu todas as eleições nacionais desde 1998, graças à sua profunda capilaridade social e as transformações estruturais que protagonizou, a revolução encontra-se hoje em um de seus momentos mais fragilizados. Reforça-se assim a responsabilidade e a irrestrita solidariedade das organizações revolucionárias e dos movimentos populares com a Revolução Bolivariana e a construção do socialismo do século XXI.

III. A Reconstrução do Brasil: entre a Frente Ampla democrática e o 8 de janeiro é hora de desmontar as fortalezas do fascismo

23. Seguindo a tendência mundial, o Brasil enfrenta a sua própria versão do fascismo no século XXI, o bolsonarismo. Como no cenário global, essa extrema-direita é fruto da precarização total da vida e da falta de alternativas de ruptura com a política neoliberal, mas ganha contornos próprios no país, conjugando-se com a enorme desigualdade social, a violência racial e patriarcal e o autoritarismo político característicos da sociedade brasileira. O processo de ascensão do bolsonarismo, patrocinado pela classe dominante e seus aparelhos de comunicação como forma de retirar o PT do governo (Operação Lava Jato, Golpe de 2016, prisão de Lula, eleição de Bolsonaro), normalizou a extrema-direita como ator legítimo do jogo político, violando o arranjo de forças da Nova República e colocando a mesma em xeque, visto que o programa político do bolsonarismo só é plenamente viável em um regime autoritário.

24. Esta necessidade de fechamento do regime foi o que impossibilitou – até o momento – o bolsonarismo de produzir coesão na classe dominante brasileira e ter o aval do imperialismo norte-americano para uma ação bem-sucedida de força (o que não significa que não tenham tentado). A esquerda liderada por Lula foi a única força que se apresentou à altura não da “polarização”, como coloca erroneamente a imprensa comercial, mas do combate contra o fascismo, não deixando outra alternativa ao establishment liberal senão apoiar a candidatura do PT.

25. As eleições de 2022 caracterizaram-se assim como uma verdadeira Batalha Eleitoral, onde estava em jogo impor uma forte derrota ao fascismo, ou abrir as portas para um novo regime autoritário no Brasil. A maior votação da história do país deu a vitória à Frente Ampla liderada por Lula e pela esquerda com mais de 60 milhões de votos. A campanha de descrédito das eleições, urnas eletrônicas e da Justiça eleitoral promovida por Bolsonaro, aliada à compra de votos por meio da devastação das contas públicas, evidencia que a extrema-direita se preparou para os dois cenários: ganhar as eleições, ou virar a mesa em caso de derrota.

26. Ainda durante a pandemia de covid-19, o bolsonarismo ensaiou uma tentativa de concentração de poderes nas mãos do ex-presidente, ao se ver contrariado pelas demais instituições da República e parte da grande imprensa em sua cruzada a favor da morte. Com o aumento da oposição a seu governo e, posteriormente, com a derrota eleitoral, podemos contabilizar pelo menos 4 tentativas reais de golpe protagonizadas pelo bolsonarismo: 1) No 07 de setembro de 2021, quando diante de multidões em Brasília e São Paulo, Bolsonaro afirmou que não iria mais aceitar deliberações da Suprema Corte; 2) Imediatamente após a derrota eleitoral, ao preparar a “minuta do golpe” revelada por investigações posteriores, onde cancelaria as eleições, promoveria uma intervenção no Poder Judiciário e criaria uma espécie de junta militar para lhe manter no governo e preparar uma “nova votação”; 3) No dia 12 de dezembro de 2022, quando uma sequência de atos terroristas foram promovidos em Brasília na mesma data da diplomação de Lula como presidente pela Justiça eleitoral; 4) No 08 de janeiro de 2023, quando milhares de bolsonaristas convocados e financiados pelo agronegócio, o garimpo, políticos e influenciadores de extrema-direita depredaram os prédios dos Três Poderes, combinados com tentativas de trancamento de rodovias, sabotagens a torres de transmissão de energia e invasão de refinarias – precedidos por mais de dois meses de acampamentos na frente de quarteis que clamavam às Forças Armadas por um golpe, em uma trama que ainda está sob investigação e que não seria possível sem sabotagem de dentro das instituições, especialmente militares.

27. Diante desse contexto volátil, a Frente Ampla liderada por Lula possui uma tarefa histórica: punir os golpistas e desmontar o condomínio de forças do fascismo. Para isso, o novo governo precisa agir em quatro frentes: 1) crescimento econômico com sustentabilidade socioambiental, geração de empregos, combate à fome, valorização real dos salários e aumento do poder de consumo; 2) (re)composição de um conjunto de políticas sociais que tragam dignidade ao povo e melhores condições de barganha para a classe trabalhadora, baseada na modernização e melhoria de serviços públicos; 3) reinserção do Brasil no sistema internacional, como ator preponderante da multipolaridade, formando blocos de países do Sul global e atraindo investimentos externos; 4) investigação e punição pelo genocídio da covid-19, dos Yanomamis, pelos planos golpistas que culminaram no 8 de janeiro de 2023, roubo e apropriação de patrimônio público, como o caso das joias, e demais crimes cometidos pelo bolsonarismo. Tratam-se das condições necessárias para diminuir a base social fascista, blindar o sistema político de golpes, e combater a impunidade dos poderosos, lugar comum na história brasileira.

28. As ações do governo nos primeiros meses apontam para a recuperação de um conjunto de políticas sociais que trazem dignidade ao povo, como a ampliação do Bolsa Família, reajuste do salário-mínimo acima da inflação, retorno de programas como o Minha Casa Minha Vida e o Mais Médicos, aumento no valor das bolsas, etc. Na economia já há sinais de melhoria, como a desaceleração da inflação, principalmente dos alimentos e combustíveis; crescimento acima do esperado, reativação de obras, aprovação da Reforma Tributária, e a substituição do Teto de Gastos por um novo arcabouço fiscal mais flexível. Lula se apresenta como verdadeiro estadista, recuperando o protagonismo internacional do Brasil. A Justiça avança nas investigações contra os golpistas, ainda que não com a velocidade necessária. Todas essas medidas em conjunto permitem um duplo movimento: desmontar o condomínio de forças do fascismo e reafirmar a liderança da Frente Ampla por parte da esquerda em relação aos aliados mais vacilantes

29. Um governo de Frente Ampla, obviamente, possui seus custos. O aumento de poder angariado pelo Centrão na atual conjuntura brasileira não só limita a radicalidade da esquerda governista, como reforça as bases clientelistas do modo de se fazer política. A “base” parlamentar representada pelo Centrão é pouco confiável, exige nacos cada vez mais generosos do orçamento e dos cargos, e não estará sempre com o governo (o caso da retirada do poder de demarcação de terras indígenas da FUNAI e Ministério dos Povos Indígenas para o Ministério da Justiça talvez seja o caso mais emblemático). Na comunicação o governo (e a esquerda como um todo) ainda estão bem atrás da extrema-direita. A insistência imperdoável na não revogação do Novo Ensino Médio por parte do Ministro Camilo Santana, pauta unânime de categorias (professores e estudantes) que votaram em peso no atual governo, demonstra como os interesses dos capitalistas não estão somente nos partidos de direita.

30. A maior ausência, e também o maior perigo, até o momento é a falta das ruas. Em um governo de Frente Ampla e na conjuntura de embate contra o fascismo, a organização e mobilização das bases sociais da esquerda não significa uma tentativa de emparedamento do governo, mas sim, dos seus adversários. Somente com a mobilização constante das ruas o governo poderá ser colocado mais à esquerda, seus apoios vacilantes mais recuados, e seus inimigos mais isolados. Só com a participação ativa da população se avança para além dos corredores da política institucional e se escapa do duplo cerco: o dos fascistas, com suas redes de fake news e articulações golpistas; e o liberal-fisiológico, que por meio da mídia comercial, do Banco Central e do Congresso, tenta direcionar o governo mais à direita, diminuir os feitos de Lula e da esquerda e transformar a presidência em um simples distribuidor de emendas parlamentares.

31. Que pese a vitória de Lula em uma ampla mobilização democrática, a crise da Nova República persiste. A derrota eleitoral retira muito poder das mãos do bolsonarismo, mas não o elimina. A existência de uma extrema-direita com forte base social e participante dos espaços institucionais é um sintoma de crise generalizada do sistema político. O mal-estar escancarado nas eleições de 2022 não se trata de uma falsa polarização entre Lula e Bolsonaro, mas sim, de um necessário combate contra o fascismo que não pode ser normalizado como parte do arranjo político do país, pois é a própria negação da política e da democracia. Soma-se a isso as sucessivas crises entre os Poderes durante o governo Bolsonaro; o inchaço de prerrogativas do Legislativo via Centrão, atropelando funções que deveriam ser do Executivo; e as “aproximações sucessivas” de golpistas, como a banalização do recurso do impeachment e a petulância dos militares do Partido Fardado em se apresentar como “Poder Moderador” da República; e temos assim um sistema político que demonstra muita fragilidade.

32. As incertezas também pairam entre os atores dos mais variados campos. Os liberais se viram atropelados no campo da direita pelo bolsonarismo, que lhe tomou boa parte de sua base eleitoral e espaços no parlamento. Não há, no momento, uma grande figura pública da direita tradicional capaz de polarizar o debate público brasileiro. Na extrema-direita, a inelegibilidade de Bolsonaro abre a disputa pelo seu espólio eleitoral, seja entre os parentes do ex-presidente, seja entre outras figuras do mesmo campo, como Romeu Zema e Tarcísio de Freitas. Em diferentes níveis, tudo o que a direita tem para oferecer ao país são as políticas de austeridade neoliberal e o embrutecimento do tecido social, ou seja, os motivos que nos levaram à crise que se manifesta no Brasil e no mundo e que permite o ressurgimento do fascismo. Não há, no entanto, consenso entre a classe dominante brasileira no fechamento do regime até o momento.

33. A esquerda brasileira como um todo cumpriu uma via crucis ao sair da defensiva que lhe foi imposta desde a crise política que culminou no Golpe de 2016 contra Dilma Rousseff. O campo popular liderado por Lula se demonstrou como o único ator capaz de vencer Bolsonaro nas urnas, batalha em que foi bem-sucedido. Todavia, algumas tarefas são urgentes para a esquerda brasileira: 1) aumentar sua base social, vide que o eleitorado alcançado por todas as forças de esquerda, mesmo em caso de vitória nas urnas, não é o suficiente para vitórias políticas robustas; 2) entender as novas identidades políticas que atuam na sociedade brasileira e disputá-las (ex: “nordestino” se tornou uma identidade “de esquerda”, enquanto “evangélico” de direita); 3) aprender efetivamente a usar as redes sociais como ferramenta de disputa e formação política, terreno onde a extrema-direita continua muito à frente; 4) pautar o governo por meio das mobilizações de rua, que tem sido o fator determinante, para o bem e para o mal, da política brasileira desde 2013. Em um governo de Frente Ampla, a mobilização e reivindicação de rua é a melhor forma de mantê-lo mais à esquerda, delimitando, para inimigos e aliados, que este é o nosso governo.

IV. O lugar das Brigadas Populares no governo Lula e no combate contra o fascismo

34. A ascensão da extrema-direita nos últimos dez anos no Brasil e os expedientes de lawfare, golpes de Estado e adesão ao fascismo demonstram que a burguesia brasileira e o imperialismo elevaram o patamar da luta de classes no país. As Brigadas Populares compreendem que para debelar essa violenta ofensiva da Casa-grande e da Casa Branca é necessário tempo e acúmulo de forças em uma estratégia de Resistência Popular Prolongada que passa por desmontar o condomínio de forças do fascismo e desgastar as fortalezas do inimigo.

35. As Brigadas Populares adotam em relação ao governo Lula a posição de defesa e demanda. Compreendemos que na atual conjuntura o governo encabeçado pelo PT retrata o acúmulo de forças – materiais e subjetivas – possível na classe trabalhadora brasileira e que deve ser defendido pelos avanços que proporciona na vida do povo e na defesa contra ataques promovidos pelos seus inimigos. Da mesma forma, pela composição do governo, o mesmo somente tem condições de concretizar suas tarefas pela constante demanda popular, que se estende para além dos limites do petismo.

36. A mobilização dos movimentos sociais e forças vivas do povo brasileiro ganha um reforço muito grande com o governo Lula, mas devem ter vida autônoma em relação ao mesmo, para que suas movimentações mantenham a Frente Ampla à esquerda e busquem um horizonte mais radicalizado do que as limitações do presente. As Brigadas Populares adotam para o período do governo Lula a formulação de disputa na unidade. Essa posição visa garantir a unidade do campo popular para a manutenção da liderança da Frente Ampla, da condução do governo e da defesa contra o golpismo fascista; mas sem abdicar da disputa desse campo e da ampliação de sua base social para um programa mais avançado que o do petismo; popular, socialista e anti-imperialista.


37. A militância brigadista acredita no complemento entre a luta popular e a institucional. Para isso, continuaremos na construção e manutenção de comunas, comitês populares, ocupações urbanas e rurais e outros trabalhos de base territoriais, assim como na formulação de um aparato de comunicação próprio, instrumentos que acreditamos serem necessários para a disputa do cotidiano do povo e o alargamento da base social de esquerda. Da mesma forma, compomos espaços partidários, sindicais e de unidade, como a Revolução Solidária, o PSOL, a juventude Fogo no Pavio e a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, apostando na Unidade Aberta entre as forças populares para a construção de uma Nova Maioria que, a partir do combate ao fascismo e às imposições do capital, aponte para um futuro de prosperidade, soberania e fartura para todo o povo brasileiro.

Unidade contra o fascismo!

Todos com Lula pela reconstrução do Brasil!

Mátria Livre!

Brigadas Populares

29 de agosto de 2023


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