Por Sofia Eller

O louco da época das caravelas não padece da mesma loucura que o louco dos navios petroleiros. Isso é: a doença mental é expressão da cultura que lhe dá a luz. Sejam mulheres taxadas de demoníacas na Idade Média; moribundos da cidade diagnosticados como alienados mentais e isolados na modernidade; ou ainda os esquizofrênicos que chegam às clínicas de psiquiatria contemporâneas. O louco pertence a um período histórico cujo poder político opera mediante o controle de corpos, sob a lógica manicomial de isolamento.

Assim, os transtornos “mentais” são a indicação de uma “desordem mental”. Mas para haver uma desordem, há de haver uma ordem. Na sociedade capitalista em que vivemos, essa ordem é a produtividade, a funcionalidade, a docilização de corpos e a branquitude; tudo o que caminha no sentido oposto é historicamente patologizado.

Consequentemente, vemos milhões de diagnósticos de Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade e de Burnout, intimamente conectados à famosa dupla Depressão e Ansiedade. Essas são condições clínicas adoecedoras a ponto de inviabilizarem os sujeitos de serem produtivos conforme demandados.

Rápida e sistematicamente, cria-se uma resposta: a mais expressiva é a explosão de diagnósticos – culminando no aumento vertiginoso da produção e consumo de psicofármacos – aliada ao financiamento público de instituições manicomiais como as Comunidades Terapêuticas. Enquanto isso, a RAPS e demais dispositivos da Reforma Psiquiátrica vêm sendo progressivamente enfraquecidos.

Fato é que vivemos em um sistema adoecedor, em que o tempo de vida vivida é pouco e o tempo de trabalho superexplorado é excessivo. Sentimos a nível individual os sintomas de uma sociedade explorada, racista e produtora de sofrimento. Sofremos.

Contudo, as angústias, a indignação, a raiva, a tristeza e o ódio são forças motrizes para a organização política transformadora. Um tratamento medicamentoso aliado à psicoterapia pode ser essencial. Mas para além disso, assim como a produção das doenças, as respostas serão dadas coletivamente: por meio da comunidade, da arte, do cuidado e sobretudo da organização do povo em prol de uma sociedade emancipada e emancipadora.


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