Junho 2024
Conjuntura Internacional: confluência de crises e a necessidade do combate antifascista
1. O cenário internacional apresenta uma realidade volátil e perigosa, fruto de uma crise estrutural do capital, com baixas taxas de crescimento, aumento da concentração de renda, ondas inflacionárias e proliferação de formas de trabalho precarizado, que se imbrica com crises conjunturais cada vez mais graves, como a causada pela pandemia da covid-19 e por conflitos militares, como na Ucrânia. Esses acontecimentos se desdobram sobre uma catástrofe ecológica como pano de fundo, produto de uma relação capitalista predatória com a natureza, que transforma em cotidiano terríveis eventos, como as inundações no Rio Grande do Sul, as secas na Amazônia e os incêndios de grandes proporções, como no Pantanal, apenas para ficarmos em exemplos brasileiros.
2. Em termos políticos, as contradições internacionais se manifestam em uma crise civilizacional do Ocidente, com uma reinsurgência do fascismo que se alimenta das políticas de austeridade para subverter sistemas políticos liberais. Esse processo ocorre tanto no centro do sistema, com o avanço da extrema-direita nas eleições europeias e na possibilidade de retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, quanto na adesão de burguesias periféricas a figuras como Javier Milei na Argentina. A precarização total da vida imposta pelas políticas neoliberais serve como combustível para o ressentimento social que alicerça o fascismo como fenômeno de massas, exteriorizado no racismo, na xenofobia e na violência como forma de (falsa) resolução política.
3. Perante o mundo, o discurso de defesa da democracia e dos direitos humanos pelas potências ocidentais se encontra desmoralizado pelo seu vergonhoso apoio ao genocídio do povo palestino e a governos de extrema-direita, como o de Benjamin Netanyahu em Israel e de Volodymyr Zelensky na Ucrânia. Os Estados Unidos não conseguem manter sua hegemonia, optando pela aberta dominação e disciplinamento de seus aliados e satélites, e contraria o discurso de livre mercado ao abrir uma guerra comercial contra a China, evidenciando sua incapacidade de responder à iniciativa econômica do gigante asiático. O Sul Global se move em direção distinta, apoiando a legítima resistência do povo palestino contra o apartheid e o genocídio, isolando o Estado de Israel, adotando postura de neutralidade perante o conflito no Leste europeu e apostando em uma arquitetura de poder multipolar.
4. Mais recentemente, a expansão dos BRICS, acolhendo Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Etiópia, expõe a determinação de algumas forças, sobretudo a China, em avançar na sua proposta de “globalização alternativa”, com exportação de bens públicos e infraestruturas por meio de iniciativas como a Nova Rota da Seda, bom relacionamento com países do mundo islâmico produtores de petróleo e a construção paulatina de sistemas de transação comercial sem o uso do dólar. A economia chinesa continua crescendo constantemente e servindo como dínamo de uma combalida economia internacional, atraindo cada vez mais nações da África e da América Latina que precisam de acesso ao mercado chinês e procuram relações comerciais mais vantajosas do que as com o Ocidente.
5. Na região latino-americana, as burguesias locais seguem as tendências do centro do sistema, e vêm apoiando figuras de extrema-direita que não só se utilizam do lawfare e outras formas de perseguição política contra a esquerda, mas que buscam deformar os sistemas políticos liberais com o objetivo de instalar governos autoritários e reprimir as mobilizações populares. A concentração de poderes nas mãos do Executivo, a utilização do Judiciário para retirar candidatos do campo popular de disputas eleitorais e a adoção de políticas draconianas de segurança pública com falsas promessas de combate ao crime organizado têm sido a tônica de governos como de Javier Milei na Argentina, Daniel Noboa no Equador, Dina Boluarte no Peru e Nayib Bukele em El Salvador.
6. Outras experiências demonstram que o caminho para o combate tanto ao neoliberalismo quanto ao fascismo passa pela mobilização ativa da militância e das massas como base social para governos progressistas e não pela simples “gerência” do sistema. Mesmo em minoria no parlamento, Gustavo Petro e Francia Márquez têm convocado a população colombiana para ser parte do governo e garantir a execução do programa vitorioso nas urnas contra uma das mais violentas burguesias do continente. Da mesma forma, a unidade de esquerda e a capacidade de responder aos problemas cotidianos do povo explicam a retumbante vitória de Claudia Sheinbaum e do Morena nas eleições mexicanas, apoiada pelo sucesso do governo López Obrador. A conjuntura latino-americana deixa evidente que em tempos de reinsurgência fascista não bastam bons resultados econômicos, mas sim, o combate ideológico, que só a esquerda pode fazer.
Conjuntura Nacional: mobilização ativa e rua quente para derrotar o fascismo
7. A vitória de Lula na Batalha Eleitoral de 2022 contra o então presidente Jair Bolsonaro foi um grande triunfo da esquerda, do povo brasileiro e de todas as forças progressistas do mundo. Em nível nacional, comprovou-se que somente a esquerda tinha a capacidade necessária para liderar uma Frente Ampla democrática e derrotar eleitoralmente o fascismo. Essa vitória, capitaneada pelo único campo político que fez oposição ao bolsonarismo desde o princípio, foi possível graças à classe trabalhadora, em especial os mais humildes, às mulheres, aos nordestinos e outros segmentos populares que votaram em peso na candidatura Lula. Em nível mundial, a vitória democrática nas maiores eleições da história brasileira serviu como exemplo de que é possível derrotar a onda de extrema-direita e recolocou o país como um ator de peso em debates globais, como a multipolaridade, a paz e a preservação ambiental.
8. O primeiro ano de governo (2023) foi bem-sucedido em suas principais movimentações: 1) reconstruir um conjunto de políticas públicas que permitem dignidade ao povo, como o Bolsa Família, o aumento real do salário-mínimo, o controle da inflação, Minha Casa Minha Vida, etc; e 2) expor e punir os golpistas do 8 de Janeiro. Nesse ponto, Lula fez as movimentações necessárias junto ao Judiciário e à grande imprensa, agindo rapidamente para que a Polícia Federal pudesse deixar claro à população quem foram os organizadores e executores da trama golpista. Bolsonaro teve sua elegibilidade caçada em tempo recorde e seu julgamento depende agora da Suprema Corte. A extrema-direita passou 2023 praticamente sem pauta a não ser a defesa de Bolsonaro, o que fez o STF, especialmente o Ministro Alexandre de Moraes, o principal alvo de seus ataques e não Lula.
9. O ano de 2024, no entanto, se apresenta de outra forma. Pensando equivocadamente que Bolsonaro já é carta fora do baralho, a direita liberal, parte da Frente Ampla, cobra seu preço, utilizando as armas que possui: a grande imprensa, o mercado financeiro e o comando do Banco Central, que forçam o governo a adotar sua agenda, ensaiando inclusive uma aliança com o que chamam de “bolsonaristas moderados”. O chamado “Centrão”, liderado pelo Presidente da Câmara Arthur Lira (Progressistas), agora com o comando do Legislativo, age da forma esperada, cobrando mais cargos e verbas públicas, principalmente via emendas parlamentares, chantageando o governo ao promover derrotas no Plenário com auxílio da extrema-direita. Esta, por sua vez, ao sentir os primeiros sinais de cisão na Frente Ampla, volta à iniciativa usando sua enorme bancada no Legislativo e sua vantagem nas redes sociais, para fustigar o governo Lula e alcançar seu principal objetivo no momento: um “acordo pelo alto” que anistie os golpistas do 8 de Janeiro, especialmente Bolsonaro.
10. As dificuldades do governo a partir de 2024 se dão basicamente por dois motivos interligados: 1) a não compreensão do que é e como se preside uma Frente Ampla; e 2) a ausência de uma mobilização ativa que dê base social ao governo. Em relação ao primeiro ponto, é importante compreender que o governo Lula não é um governo de esquerda, mas uma Frente Ampla presidida pela esquerda. Uma Frente Ampla é uma composição política de forças ideologicamente diferentes que se unem em determinada conjuntura com o objetivo de derrotar um adversário em comum mais forte. Por suas próprias características heterogêneas, a Frente Ampla é provisória, recebe pressão de todos os lados e é suscetível a deserções e traições. Quem a compõe, mas não a preside, usa seus recursos para impor seu programa (direita liberal); quem não tem compromisso em derrotar o inimigo comum e se move apenas pelos seus interesses privados, chantageia todos os lados em conflito (Centrão); enquanto o inimigo espreita e tenta implodir a Frente para retornar ao poder com nova configuração de forças (bolsonarismo).
11. Para presidir a Frente Ampla não basta gerenciar esse condomínio de forças, mas também exercer pressão utilizando suas fortalezas. O governo possui uma enorme base social de sindicatos, movimentos sociais, organizações políticas, figuras públicas e 60 milhões de eleitores que precisam ser convocados a governar a partir de uma mobilização ativa. A rua é o terreno onde as forças populares levam vantagem e não os corredores da institucionalidade que limitam a capacidade de movimentação do governo. Precisamos mais do Lula líder de massas do que do Lula presidente, um líder que seja o primeiro combatente contra o fascismo e que sirva como pólo de aglutinação dos diferentes setores da classe trabalhadora brasileira. Experiências atuais, como a do governo Petro na Colômbia, demonstram que é possível governar mesmo em minoria parlamentar porque se iguala o jogo com a constante mobilização de massas que restringe os movimentos das forças conservadoras.
12. É necessário reagrupar essa base social, organizar as fileiras unitárias das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo em diálogo com o Palácio do Planalto e incidir sobre o debate público, apostando em pautas possíveis de serem entregues pelo governo e fazendo pressão sobre o Legislativo e demais instituições para frear projetos antipopulares. A recente movimentação contra o “PL do estupro” deixou a extrema-direita em posição desconfortável e levou a um recuo momentêneo de Arthur Lira e do Centrão, comprovando que até mesmo nos mais delicados assuntos, a pressão popular faz diferença perante políticos vacilantes. Somente com mobilização ativa é possível hegemonizar a Frente Ampla e fazê-la cumprir sua tarefa histórica: punir os golpistas e desmontar o condomínio de forças do fascismo.
13. A rua é o terreno da mobilização ativa onde a esquerda tem vantagem para pressionar a Frente Ampla. A institucionalidade – especialmente o Legislativo controlado pelo Centrão – é um terreno onde o governo não possui iniciativa e terá sempre pouca margem de manobra. A hegemonia sobre a Frente Ampla não virá assumindo a pauta da direita liberal – como na não revogação do Novo Ensino Médio por Camilo Santana, ou nas ameaças de fim dos pisos constitucionais da saúde e da educação ventilados por Fernando Haddad -; muito menos na queda de braço com as próprias bases, como se viu na má vontade governamental com a greve das universidades federais (um segmento importante e leal ao governo).
14. Não estamos sob “normalidade democrática”, mas sobre feroz ataque fascista. Em tal conjuntura, não bastam bons indicadores econômicos e sucesso gerencialista, mas entender, lutar e vencer a “guerra cultural” imposta pela extrema-direita. A mobilização ativa anima a militância e as massas que se sentem parte do processo, pauta a sociedade para além das fake news e da grande imprensa, demonstra força contra os inimigos e os aliados vacilantes dentro da própria Frente Ampla, permitindo inclusive maior margem de manobra ao Presidente dentro da institucionalidade. Recuar no tabuleiro contra o fascismo não evita o confronto. Na verdade, entrega o comando do jogo nas mãos de um adversário que não está disposto a recuar.
15. Esses enfrentamentos ocorrem como parte da Crise da Nova República, que vem desfigurando não só a Constituição de 1988, mas todo o sistema político dela derivado. A sucessão de eventos disruptivos dos últimos dez anos (não reconhecimento de resultados eleitorais, lawfare contra adversários políticos, crises entre os Poderes, tentativas de golpe de Estado) evidencia a quebra do arranjo político da Nova República ao se permitir o retorno da extrema-direita como ator legítimo. A captura de parte do orçamento federal pelo Congresso, o embate entre este e o Judiciário e a banalização do recurso do impeachment são alguns dos sintomas mais recentes de um sistema político em derretimento, o qual o mais grave foi o 8 de Janeiro como tentativa de fechamento do regime, objetivo máximo do bolsonarismo. À esquerda mais cabe imprimir uma lógica de pressão popular por meio de mobilização ativa, que garanta avanço nas pautas progressistas e margem de manobra para o governo, do que defender uma ordem em decomposição que não a favorece.
16. As eleições municipais de 2024 apresentam-se como mais um capítulo de enfrentamento contra o fascismo, que aposta numa onda de vitórias municipais que coloque o orçamento de prefeituras sob seu comando. A esquerda deve utilizar a campanha eleitoral como parte da mobilização ativa, apresentando candidaturas que combatam a extrema-direita, denunciando o golpismo bolsonarista e propondo soluções populares para os problemas urbanos, principalmente os serviços públicos sucateados e/ou privatizados. Sem dúvida, a mais importante batalha se dará em São Paulo, com a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL), a mais destacada liderança de esquerda a surgir nos últimos anos. Com uma candidatura alicerçada nos movimentos sociais, uma aliança PSOL-PT e o apoio de Lula, a vitória de Boulos na maior cidade do país significaria um forte golpe no fascismo e um capítulo de suma importância na necessária renovação do campo popular no Brasil.
17. As Brigadas Populares se somam aos esforços de construção de uma mobilização ativa como base popular necessária ao governo Lula, através de nossos trabalhos territoriais em ocupações urbanas e rurais, associações de moradores, comunas, pré-vestibulares comunitários e demais iniciativas de educação popular, assim como nossa atuação em instrumentos como o PSOL, Revolução Solidária, Juventude Fogo no Pavio e a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora. Compreendemos que é necessária a unidade da esquerda contra o fascismo, mas com o objetivo de deixar a rua a quente, emparedando inimigos e disciplinando aliados vacilantes. Nesse processo é possível construir paulatinamente uma base social para a esquerda revolucionária, movimento necessário para superar os limites do atual campo popular no Brasil, que nos permita vencer o fascismo e abrir um novo momento histórico de emancipação social e nacional do nosso povo.
Por um governo de mobilização ativa!
Unidade de esquerda contra o fascismo!
Mátria livre! Venceremos!
Coordenação Política Nacional das Brigadas Populares
24 de junho de 2024
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